O filósofo grego Diógenes fez do controle das paixões e da
autossuficiência os valores centrais de sua vida: um casaco, uma mochila e uma
cisterna de argila na qual pernoitava eram suas posses.
Intrigado, o imperador Alexandre Magno foi até ele e propôs: "Sou o homem mais poderoso do mundo. Peça o que desejar e lhe atenderei". Diógenes não titubeou: "O senhor poderia sair um pouco de lado, pois sua sombra está bloqueando o meu banho de sol".
O filósofo e o imperador são casos extremos, mas ambos ilustram a tese
socrática de que, entre os mortais, o mais próximo dos deuses em felicidade é
aquele que de menos coisas carece. Alexandre, ex-pupilo e mecenas de
Aristóteles, aprendeu a lição. Quando um cortesão zombava do filósofo por ter
"desperdiçado" a oferta que lhe fora feita, o imperador retrucou:
"Pois saiba, então, que se eu não fosse Alexandre, eu desejaria ser
Diógenes". Os extremos se tocam.
O que há de errado com a desigualdade do ponto de vista ético? Como o
exemplo revela, a desigualdade não é um mal em si –o que importa é a
legitimidade do caminho até ela.
A justiça –ou não– de um resultado distributivo depende do enredo
subjacente. A questão crucial é: a desigualdade observada reflete
essencialmente os talentos, esforços e valores diferenciados dos indivíduos ou,
ao contrário, ela resulta de um jogo viciado na origem –de uma profunda falta
de equidade nas condições iniciais de vida, da privação de direitos elementares
e/ou da discriminação racial, sexual ou religiosa?
O Brasil fez avanços reais nos últimos 20 anos, graças à conquista da
estabilidade econômica e das políticas de inclusão social. Continuamos, porém,
sendo um dos países mais desiguais do planeta. No ranking da distribuição de
renda, somos a segunda nação mais desigual do G-20, a quarta da América Latina
e a 12ª do mundo.
Mas não devemos confundir o sintoma com a moléstia. Nossa péssima
distribuição de renda é fruto de uma grave anomalia: a brutal disparidade nas
condições iniciais de vida e nas oportunidades das nossas crianças e jovens de
desenvolverem adequadamente suas capacidades e talentos de modo a ampliar o seu
leque de escolhas possíveis e eleger seus projetos, apostas e sonhos de vida.
Nossa "nova classe média" ascendeu ao consumo, mas não
ascendeu à cidadania. Em pleno século 21, metade dos domicílios não tem coleta
de esgoto; a educação e a saúde públicas estão em situação deplorável; o
transporte coletivo é um pesadelo diário; cerca de 5% de todas as mortes –em
sua maioria pobres, jovens e negros– são causadas por homicídios e um terço dos
egressos do ensino superior (se o termo é cabível) é analfabeta funcional.
Faltam recursos? Não parece ser o caso, pelo menos quando se trata de
adquirir uma nova frota de jatos supersônicos suecos; ou financiar a construção
de estádios "padrão Fifa" (boa parte fadada à ociosidade); ou licitar
a construção de um trem-bala de R$ 40 bilhões ou bancar um programa de
submarinos nucleares de R$ 16 bilhões. O valor dos subsídios cedidos anualmente
pelo BNDES a um seleto grupo de grandes empresas-parceiras supera o valor total
do Bolsa Família. O que falta é juízo.
O Brasil continuará sendo um país violento e absurdamente injusto,
vexado de sua desigualdade, enquanto a condição da família em que uma criança
tiver a sorte ou o infortúnio de nascer exercer um papel mais decisivo na
definição do seu futuro do que qualquer outra coisa ou escolha que ela possa
fazer.
A diversidade humana nos dá Diógenes e Alexandre. Mas a falta de um
mínimo de equidade nas condições iniciais e na capacitação para a vida tolhe a
margem de escolha, vicia o jogo distributivo e envenena os valores da nossa
convivência. A desigualdade nas oportunidades de autorrealização, ouso crer, é
a raiz dos males brasileiros.
Postado
por: João
Paulo da Silva Faria
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