O historiador inglês Eric Hobsbawn causou
sensação ao declarar que o século XX havia terminado em 1989, com a queda do
Muro de Berlim. Então, a história chamada "século XXI" começaria a
despontar no horizonte. Vivenciamos o começo do novo século com perplexidade,
sob o fogo cruzado de fundamentalismos econômicos, religiosos
e políticos,
guerras e terrorismos, ocidentais e orientais. Cabe perguntar: o que exatamente
mudou? O que é esse "depois do século XX"? Por todos os lados, há
novidades e mesmices. Convivemos com oportunidades novas e maiores riscos -
tudo ao mesmo tempo! O futuro parece aberto a inumeráveis possibilidades. Se
por um lado, as incertezas assustam e paralisam; por outro, nutrem pensamentos
não-conformistas e novas utopias. Hoje enquadramos nossas lentes sobre uma
dessas rebeldias que renovam as esperanças: os movimentos de mulheres e seus
projetos de sociedade democrática.
A rebeldia é antiga. Há mais de um século,
vozes femininas já davam contribuição ao debate da democracia, advogando a participação
das mulheres na política, na economia e na produção da cultura e do
conhecimento. Pioneiras feministas do século XIX defendiam a emancipação
feminina como questão democrática, e propunham a transformação de valores e
normas que negavam às mulheres a capacidade de gestão de sua vida pessoal e de
participação no fluxo de decisões coletivas.
No transcorrer do século XX, os movimentos de
mulheres vieram a abalar, de modo ainda mais perturbador e definitivo, aquelas
versões de democracia feitas à imagem e semelhança de homens brancos,
proprietários, heterossexuais e cristãos. Provenientes das mais distintas
origens e experiências, mulheres em movimentos reconheceram-se como sujeitos
plurais e reivindicaram a condição de participantes ativas na definição de suas
próprias identidades e na construção de uma história coletiva - que nem sempre
é a mesma para cada uma delas. Assim, desmontaram um ideal de igualdade que
pressupunha um modelo único e "natural" de sujeito de direitos e um
destino comum a todas as mulheres, e se lançaram ao desafio da construção da
democracia na diversidade. Enfim, no final do século XX, além daquele de
Berlim, outros muros também começaram a ruir... Não apenas a ordem política,
econômica e militar mundial adentra um ciclo de transformações consubstanciais:
os sentidos da cultura democrática voltam ao centro das grandes disputas da
nossa civilização, revolucionados por mulheres e movimentos que decifram e
desarranjam a trama das discriminações.
Um olhar para os movimentos das mulheres
brasileiras, sua atuação no contexto nacional, latino-americano e mundial, pode
ser revelador. Eles foram componentes de primeira linha nas lutas contra o
regime autoritário e na restauração das liberdades democráticas. Nos anos 1990,
de volta ao Estado de Direito, as mulheres seguiram inquietando a sociedade com
a pergunta: qual é a democracia que queremos? Mais do que reconquistar, para as
mulheres em movimentos, tratava-se de reinventar a democracia, de maneira a
tornar mais inclusivas e justas as sociedades, e mais prazerosa e criativa a
vida das pessoas.
Projetos alternativos de sociedade, nascendo de mulheres e movimentos? Que projetos poderiam ser estes se - como nos mostram muito bem as lentes de Claudia Ferreira - o universo feminino é de uma imensa heterogeneidade? Que consensos poderiam ser tecidos a partir de experiências de vida tão diferentes, de demandas, interesses e modos de agir tão diversos? Que idéias de bem comum, que bases de solidariedade poderiam ser construídas entre essas mulheres, no meio das quais estão representados todos os demais grupos da sociedade?
A criatividade explosiva dos movimentos de
mulheres parece brotar de um fluxo de mão dupla: de um lado, o reconhecimento
da experiência comum de subordinação como sujeitos do sexo feminino, e, do
outro, o reconhecimento do quão diversas e singulares são elas em suas
experiências de vida, classe, instrução, raça, etnia, idade, religião,
experiências eróticas, conjugais e maternais. Assim, seus projetos inspiram
utopias de uma democracia radical - plural e multicultural; local, nacional e
global; que se exerce na cama, nos bancos escolares, no trabalho e no
parlamento - e de uma cidadania plena, baseada na justiça social e econômica,
na universalização dos direitos humanos e no reconhecimento solidário das
pessoas e das coletividades.
As fotografias de Claudia Ferreira recobrem
um período de mais de 12 anos e foram selecionadas a partir de um acervo com
cerca de 4.000 imagens. Elas representam um olhar do feminismo brasileiro para
si próprio, para o cenário latino-americano e para o processo de constituição
de espaços públicos e de uma sociedade civil em âmbito mundial. As lentes da
fotógrafa percorrem encontros e encuentros feministas, as ruas de diferentes
cidades brasileiras, latino-americanas, chinesas e sul-africanas, as
conferências mundiais e os corredores das Nações Unidas, e captam, com muita
sutileza, linguajares, expressões, modus operandi, temáticas, espaços,
componentes sociais, políticos e culturais do feminismo contemporâneo.
Mulheres e Movimentos. Essas imagens compõem
um caleidoscópio que estimula o jogo da memória coletiva. Convidam-nos a viajar
na correnteza da história, recompor seus momentos, apreender os seus sentidos,
re-elaborar narrativas e seguir tecendo o fio que vai da memória de nossas
experiências aos projetos de futuro.
Fonte: Internet.
Fonte: Internet.
Postado por: João Paulo da Silva Faria
Aluno da Especialização em Politicas Publicas (GPPGR)
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