O povo irreverente
diz que é preferível ser rico com saúde do que pobre e doente.
A sabedoria popular
se refere a um fenômeno conhecido em saúde pública com o nome de gradiente
socioeconômico, segundo o qual, à medida que o poder aquisitivo decresce nos
estratos sociais, crescem os riscos de obesidade, doenças cardiovasculares,
respiratórias, psiquiátricas e reumatológicas, além de aumentar a mortalidade
materna, a infantil, o número de nascimentos prematuros e a mortalidade geral.
A explicação parece
óbvia: a falta de recursos financeiros está ligada à dificuldade de acesso aos
serviços de saúde. Mas, como explicar que o mesmo fenômeno se repita em
sociedades com certa desigualdade, mas que asseguram acesso universal à saúde?
A existência do gradiente seria simples consequência da assistência médica
precária e de fatores ligados ao estilo de vida (dieta inadequada, cigarro, uso
de álcool, vida sedentária), ou também estaria associada a interferências
externas, oriundas do meio psicossocial em que a pobreza ocorre?
O primatologista
Robert Sapolsky, da Universidade Stanford, numa revisão publicada na revista
Science, parte do princípio de que é muito difícil conduzir pesquisas em seres
humanos para esclarecer essa questão, mas que é farta a literatura dedicada ao
tema em outros animais.
Na maioria dos
mamíferos que vivem em grupo, existe uma hierarquia social constituída por
indivíduos dominantes e seus subordinados, causadora de desigualdade de acesso
aos alimentos e à reprodução. A ideia central dos estudos conduzidos nessas
espécies é a de que para cada nível hierárquico exista um nível correspondente
de estresse.
O elemento gerador
do estresse pode ser físico (quando um fator externo provoca desequilíbrio das
funções orgânicas) ou psicossocial (quando o indivíduo sente por antecipação,
justificadamente ou não, que sua integridade está ameaçada). Ambos os tipos de
estresse desencadeiam reações neuroendócrinas com finalidade de adaptar o
organismo às circunstâncias.
Quando o estresse
acontece de forma aguda, como no caso do ataque de um predador, a resposta
prepara para fugir ou enfrentar: a frequência das batidas cardíacas aumenta, a
pressão arterial sobe, o sangue é impulsionado para os músculos, a pele fica
pálida e as atividades não-essenciais naquele momento (digestão, produção de
espermatozóides, crescimento, multiplicação celular) são interrompidas para que
toda a energia seja mobilizada no esforço de escapar do perigo.
Quando ocorre de
forma crônica, por tensões psicossociais, como aquelas provocadas pela presença
de um superior hierárquico autoritário, as alterações fisiológicas citadas são
bem menos intensas, quase imperceptíveis, mas duradouras. Com o passar do tempo
aumentam o risco de instalação ou exacerbam condições prévias como hipertensão,
aterosclerose, diabetes, deficiência imunológica e distúrbios afetivos.
Estudos realizados
com animais de hábito social deixam claro que o estresse é condição
democrática; agride fêmeas e machos, de qualquer idade, dominantes ou
subalternos.
Em algumas
sociedades são os machos dominantes os indivíduos mais sujeitos a ele. Isso
acontece em chimpanzés, babuínos em cativeiro, cães selvagens e lobos, espécies
nas quais os dominantes precisam constranger fisicamente os rivais, repetidas
vezes, para impor e manter a dominância.
Quando a hierarquia
social é estável, mantida sem necessidade de intimidação física, mas limita o
acesso dos subalternos à alimentação e às fontes de reconhecimento social, ou
quando os animais estão contidos em espaços restritos em que não possam evitar
a presença dos dominantes, são os subordinados que apresentam os maiores níveis
de estresse. São exemplos orangotangos, ratos, camundongos, macacos rhesus e
babuínos em liberdade.
Qual a importância
desses estudos para esclarecer a influência do gradiente socioeconômico na
saúde da espécie humana?
Entre nós existem
valores de ordem moral que nos tornam menos suscetíveis às consequências das
pressões sociais. Além disso, nossas posições hierárquicas se estabelecem de
forma complexa: o operário mais humilde pode ser diretor de ala numa escola de
samba e capitão do time de futebol.
Apesar dessas
ressalvas, a existência de um gradiente socioeconômico, mesmo em sociedades que
garantem acesso universal à assistência médica, capaz de aumentar a incidência
entre os mais pobres até de diabetes juvenil, enfermidade para a qual não se
conhecem medidas preventivas, fala a favor do conceito de que tal gradiente
esteja relacionado diretamente com fatores psicossociais.
Robert Sapolsky
termina a revisão dizendo que a hierarquia baseada em características
socioeconômicas subjetivas pode provocar danos à saúde semelhantes aos causados
por condições tão objetivas como a falta de hospitais. Em outras palavras,
sentir-se pobre pode ser uma questão fundamental de saúde, principal
responsável pelo estresse a que se acham submetidos os que se consideram
hierarquicamente inferiorizados.
Além de dificultar
a adoção de estilos de vida mais saudáveis, a pobreza causa diminuição da
auto-estima, alienação política e tensões psicossociais que provocam liberação
dos mediadores hormonais característicos do estresse crônico, associados à
predisposição ao aparecimento de doenças degenerativas e infecciosas, e ao
aumento da mortalidade.
Fonte: Internet
Postado por: João Paulo da Silva Faria
Aluno da Especialização em Politicas Publicas (GPPGR)
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